terça-feira, 17 de maio de 2011

O degelo das nossas convicções

Robson Henriques - Exame online

Nossas certezas são como pedras de gelo dentro daquela geladeira de boteco, que é desligada de noite e religada somente na manhã do dia seguinte.
Essas pedras de gelo que se formam durante o dia vêem a sua solidez morrendo aos poucos durante a calada da noite, até se tornarem novamente fluídas, sem forma, sem vontade própria.
Voltam a ser apenas água. Apenas esperando o ritual de virar novamente gelo por um dia.
Vivemos uma era fluida, que Zygmunt Bauman traduziu bem em sua Modernidade Líquida, onde os valores, crenças e convicções duram pouco em seu estado sólido. Logo derretem na correnteza voraz dos nossos dias. O excesso de informação faz com que a gente não se aprofunde em nenhuma delas. E se afunde em superficialidades.
Nossa certeza de hoje é o talvez de amanhã.
Esse degelo de convicções criou uma geração de consumidores com valores igualmente fluidos, com opiniões mais flexíveis, livres de preconceitos e abraçando a diversidade. O que é bom. O problema é que ao mesmo tempo essa geração se revela ansiosa, inconsistente nas decisões, inconstante nos hábitos, constantemente insatisfeita.
Tudo tem de ser para agora porque daqui alguns minutos não sei se vou querer mais. Não só para os bens que eu consumo, mas para todas as outras escolhas na vida: emprego, casamento, sonhos.
Se a sociedade não consegue mais gerar valores sólidos aos quais possamos nos agarrar e usar como como referência de conduta, um norte para a nossa vida a longo prazo, quem é pode criar essas convicções? Quem é o novo guardião desse valores?
As marcas.
Através de trabalhos de branding com sistemas cada vez mais sofisticados, as marcas estão conseguindo incorporar esse valores sólidos e deter moralmente seu direito de uso.
Quer exemplos? Qual instituição política ou figura pública que hoje é a tradução do valor “confiança”? Você vai ter de fazer um contorcionismo mental para tentar lembrar algum nome.
E se reformularmos essa pergunta para: qual a marca que para você traduz Confiança?
Você certamente deve ter lembrando de uma marca de alimentos presente no Brasil há mais de 80 anos.
Se a pergunta fosse: qual a marca que para você que traduz Felicidade?
Fatalmente você vai lembrar de um fabricante de refrigerante com mais de 125 anos.
E Lealdade? Existe uma boa chance de você lembrar de uma marca de ração para animais que organiza um trabalho mundial de adoção de cães.
Com suas plataformas de construção de percepções intangíveis, as marcas estão se tornando os pilares insconscientes do valores coletivos da sociedade. E nós, consumidores, estamos sendo formados e educados por elas.
A maior prova dessa influência é que, se eu descrever uma pessoa citando somente as marcas que ela usa, não revelando nenhum dado pessoal, você é capaz de emitir juízo de valor sobre essa pessoa e dizer se ela é cuidadosa, se ela preza a família, se ela é ambiciosa, se ela é confiável.
O que nos leva a outro ponto interessante: as marcas que consumimos denunciam a nossa personalidade e nossas intenções. Mesmos aquelas  mais íntimas, que tentamos esconder a todo custo.
Mas essa já é outra história. Para o nossa próxima conversa.

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