A concepção que se tem do país é a de que aqui se fala uma única língua, a língua portuguesa. Ser brasileiro e falar o português (do Brasil) são, nessa concepção, sinônimos. Trata-se de preconceito, de desconhecimento da realidade, ou antes, de um projeto político - intencional, portanto - de construir um país monolíngue?
Em algum nível todos esses fatos andam juntos. Não é por casualidade que se conhecem algumas coisas e se desconhecem outras: conhecimento e desconhecimento são produzidos ativamente, a partir de óticas ideológicas determinadas, construídas historicamente. No nosso caso, produziu-se o “conhecimento” de que no Brasil se fala o português, e o “desconhecimento” de que muitas outras línguas foram e são igualmente faladas. O fato de que as pessoas aceitem, sem discutir, como se fosse um “fato natural”, que o “português é a língua do Brasil” foi e é fundamental, para obter consenso das maiorias para as políticas de repressão às outras línguas, hoje minoritárias.
Para compreendermos a questão é preciso trazer alguns dados: no Brasil de hoje são falados por volta de 200 idiomas. As nações indígenas do país falam cerca de 170 línguas (chamadas de autóctones), e as comunidades de descendentes de imigrantes outras 30 línguas (chamadas de línguas alóctones). Somos, portanto, como a maioria dos países do mundo - em 94% dos países do mundo são faladas mais de uma língua - um país de muitas línguas, plurilíngue.
Se olharmos para nosso passado veremos que fomos, durante a maior parte da nossa história, ainda muito mais do que hoje, um território plurilíngue: quando aqui aportaram os portugueses, há 500 anos, falavam-se no país, segundo estimativas de Rodrigues (1993: 23), cerca de 1.078 línguas indígenas, situação de plurilinguísmo semelhante a que ocorre hoje nas Filipinas (com 160 línguas), no México (com 241), na Índia (com 391) ou, ainda, na Indonésia (com 663 línguas).
O Estado Português e, depois da independência, o Estado Brasileiro, tiveram por política, durante quase toda a história, impor o português como a única língua legítima, considerando-a “companheira do Império” (Fernão de Oliveira, na primeira gramática da língua portuguesa, em 1536[2]). A política linguística do estado sempre foi a de reduzir o número de línguas, num processo de glotocídio (assassinato de línguas) através de deslocamento linguístico, isto é, de sua substituição pela língua portuguesa. A história linguística do Brasil poderia ser contada pela sequência de políticas linguísticas homogeinizadoras e repressivas e pelos resultados que alcançaram: somente na primeira metade deste século, segundo Darcy Ribeiro, 67 línguas indígenas desapareceram no Brasil - mais de uma por ano, portanto (Rodrigues, 1993:23). Das 1.078 línguas faladas no ano de 1500 ficamos com cerca de 170 no ano 2000, (somente 15% do total) e várias destas 170 encontram-se já moribundas, faladas por populações diminutas e com poucas chances de resistir ao avanço da língua dominante.
Essa ação do estado pode ser observada, por exemplo, no Diretório dos Índios, de 1758, documento com o qual o Marquês de Pombal pretendeu legislar sobre a vida dos índios - primeiro só da Amazônia, depois de todo o Brasil - no período subsequente à expulsão dos Jesuítas. A intenção expressa, de “civilizar” os índios, realiza-se através da imposição do português, língua do Príncipe (...)
Naquele momento histórico, o documento de Pombal volta-se, sobretudo contra a língua geral, o tupi da costa do Brasil transformado em língua veicular de índios, brancos e negros em vastas porções do território, especialmente na Amazônia, onde também foi e é chamada de nheengatu. O documento marca o início do ocaso desta importante língua veicular, ocaso que vai se acelerar com a chacina de cerca de 40.000 pessoas falantes de nheengatu, índios e negros que pegaram em armas contra a dominação “branca” na revolução denominada Cabanagem, entre 1834 e1841(Bessa Freire, 1983:65). O processo vai se consumar com o desaparecimento do nheengatu em grande parte da Amazônia - mas não em toda - fato causado pela chegada de 300 a 500 mil nordestinos, falantes monolíngues de português, entre 1870, quando começa o ciclo da borracha e 1918, final da Primeira Guerra Mundial. Hoje, apesar desse processo de deslocamento linguístico que o substituiu pelo português nas calhas da maioria dos grandes rios, o nheengatu resiste entre a cidade de Manaus e as malocas do Alto Rio Negro, numa área aproximada de 300.000 km² (...) o nheengatu é o instrumento de comunicação usual da população que aí reside e a língua de comércio?(Bessa Freire, 1983:73) (...)
Não devemos imaginar, entretanto, que leis como o Diretório tenham, por si só, mudado o perfil linguístico do país, ou que tenham sido “obedecidas” tranquilamente pela população. O historiador José Honório Rodrigues chama nossa atenção para a resistência que os diversos grupos linguísticos do país opuseram contra as políticas de homogeneização e glotocídio, numa verdadeira guerra de línguas.
Numa sociedade dividida em castas, em raças, classes, mesmo quando é evidente o processo de unificação da língua, especialmente num continente como o Brasil, onde durante três séculos combateram várias línguas indígenas e negras contra uma branca, não havia nem paz cultural, nem paz linguística. Havia, sim, um permanente estado de guerra. (...) O processo cultural que impôs uma língua vitoriosa sobre as outras não foi assim tão pacífico, nem tão fácil. Custou esforços inauditos, custou sangue de rebelados, custou suicídios, custou vidas (Rodrigues, 1985: 42)
Não só os índios foram vítimas da política linguística dos Estados lusitano e brasileiro: também os imigrantes - chegados principalmente depois de 1850 - e seus descendentes passaram por violenta repressão linguística e cultural - já que a língua naturalmente é parte da cultura. O Estado Novo (1937-1945), regime ditatorial instaurado por Getúlio Vargas, marca o ponto alto da repressão às línguas alóctones, através do processo que ficou conhecido como “nacionalização do ensino” e que pretendeu selar o destino das línguas de imigração no Brasil, especialmente o do alemão e do italiano na região colonial de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Foi nesses dois estados, nos quais a estrutura minifundiária e a colonização homogênea de certas regiões garantiram condições adequadas para a reprodução do alemão e do italiano, especialmente, que a repressão linguística, através do conceito jurídico de “crime idiomático”, inventado pelo Estado Novo, atingiu sua maior dimensão.
Durante o Estado Novo, mas, sobretudo entre 1941 e 1945, o governo ocupou as escolas comunitárias e as desapropriou, fechou gráficas de jornais em alemão e italiano, perseguiu, prendeu e torturou pessoas simplesmente por falarem suas línguas maternas em público ou mesmo privadamente, dentro de suas casas, instaurando uma atmosfera de terror e vergonha que inviabilizou em grande parte a reprodução dessas línguas, que pelo número de falantes eram bastante mais importantes que as línguas indígenas na mesma época: 644.458 pessoas, em sua maioria absoluta cidadãos brasileiros, nascidos aqui, falavam alemão cotidianamente no lar, numa população nacional total estimada em 50 milhões de habitantes, e 458.054 falavam italiano, dados do censo do IBGE de 1940 (Mortara, 1950). Essas línguas perderam sua forma escrita e seu lugar nas cidades, passando seus falantes a usá-las apenas oralmente e cada vez mais na zona rural, em âmbitos comunicacionais cada vez menos extensos.
O estado de Santa Catarina, na gestão do governador e depois interventor Nereu Ramos montou campos de concentração, chamados eufemisticamente de “áreas de confinamento”, para descendentes de alemães que insistissem em falar sua língua, entre outras razões. Um desses campos funcionou dentro do que é hoje o campus da Universidade Federal de Santa Catarina, mais especificamente a Prefeitura Universitária.
A partir do recrudescimento do processo, em 1942, as prisões aumentaram, passando, no município de Blumenau, por exemplo, de 282 em 1941, em sua maioria por ocorrências comuns, como embriaguez ou briga em bailes, para 861 no ano seguinte, das quais 271, isto é, 31,5% , pela única razão de se ter falado uma “língua estrangeira”. Isto significou a prisão de 1,5% de toda a população do município no decorrer deste ano e levou ao silenciamento da população. No mesmo ano o Exército Brasileiro, mais especificamente o 32º Batalhão de Caçadores, composto sobretudo de soldados transferidos do Nordeste, deslocados para Blumenau para “ensinar aos catarinenses a serem brasileiros”, carimbou toda a correspondência para o Vale do Itajaí com a frase do ex-governador e ex-ministro das relações exteriores, Lauro Müller: “Quem nasce no Brasil ou é brasileiro ou é traidor.”
A Polícia Militar, em Santa Catarina como em outros estados, prendeu e torturou e obrigou as pessoas a deixar suas casas em determinadas “zonas de segurança nacional.” Mais grave que tudo isso: a escola da “nacionalização” estimulou as crianças a denunciar os pais que falassem alemão ou italiano em casa, criando sequelas psicológicas insuperáveis para esses cidadãos que, em sua grande maioria, eram e se consideravam brasileiros, ainda que falando alemão.
Um dos fatos mais trágicos, entretanto, é que encontramos na nossa história muito poucas vozes que se opuseram ao esmagador processo de homogeneização, mesmo “entre os intelectuais brasileiros. Causa perplexidade, o fato de nunca ter havido, por parte das diversas correntes políticas de alguma significação na história brasileira, quem defendesse para o país a constituição de uma sociedade culturalmente pluralista”(...)
Conceber uma identidade entre a “língua portuguesa” e a “nação brasileira” sempre foi uma forma de excluir importantes grupos étnicos e linguísticos da nacionalidade; ou de querer reduzir estes grupos, no mais das vezes à força, ao formato “luso-brasileiro”. Muito mais interessante seria redefinir o conceito de nacionalidade, tornando-o plural e aberto à diversidade: seria mais democrático e culturalmente mais enriquecedor, menos violento e discricionário, e permitiria que conseguíssemos nos relacionar de uma forma mais honesta com a nossa própria história: nem tentando camuflar e maquilar o passado, escondendo os horrores das guerras, dos massacres e da escravidão que nos constituíram, nem vendo a história apenas como uma sequencia de denúncias a serem feitas.
Gilvan Muller de Oliveira é linguista, coordenador do NEP/UFSC ( Núcleo de Estudos Portugueses da Universidade Federal de Santa Catarina) e pesquisador associado do IPOL (Instituto de Investigaçãoe Desenvolvimento em Política Linguísta).
Texto Original: Site do IPOL: www.ipol.org.br
Brasileiro fala português: Monolinguísmo e Preconceito Linguístico
cariocagens
Espaço dedicado ao pensamento, reflexão e humor tipicamente cariocas. Entende-se por carioca, todo aquele que adotou a cidade e o Estado do Rio e que deseja construir o futuro relacional além do cartão postal.
quinta-feira, 19 de abril de 2012
sábado, 11 de fevereiro de 2012
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Samba Enredo UNIÃO DA ILHA 2012
“De Londres ao Rio: Era uma vez uma…Ilha”
Uma história vou contar
Tem lendas, mitos e magias
Era uma ilha…onde um povo valente vivia
Era uma ilha…onde um povo valente vivia
E um grande império conquistou
Virou cidade das realezas
O reino unido e seus heróis
Virou cidade das realezas
O reino unido e seus heróis
“Peguem as armas” diz a voz
De um santo guerreiro,
Os bravos vão lutar, cruzar fronteiras
Com sua fé estampada na bandeira
De um santo guerreiro,
Os bravos vão lutar, cruzar fronteiras
Com sua fé estampada na bandeira
Vou botar molho inglês na feijoada
Misturar chá com cachaça
Misturar chá com cachaça
"Ser ou não ser, eis a questão! "
Tem choro e riso nesse palco de ilusão
Tem choro e riso nesse palco de ilusão
Vão dominar o mar e grandes tesouros
Guiados pelos olhos da ciência
Lindos contos vão brotar…
A luz do cinema é a arte a brilhar
Olha, bicho, paz e amor suingou
Lindos contos vão brotar…
A luz do cinema é a arte a brilhar
Olha, bicho, paz e amor suingou
Batuquei meu samba com rock n´rool
Na minha terra tem o reino da folia
Futebol que contagia… É gol!
É a vitória, um momento divinal
Acendo a chama pela paz universal
Na minha terra tem o reino da folia
Futebol que contagia… É gol!
É a vitória, um momento divinal
Acendo a chama pela paz universal
A minha Ilha é ouro é prata
Tem o bronze da mulata
Tem o bronze da mulata
Canta, meu Rio, em verso e prosa
Com a cidade ainda mais maravilhosa
Compositores: Marquinhos do Banjo, Alberto Varjão, Eduardo, Alan das Candongas e Márcio André Filho, Carlinhos Fuzil, Fabiano Fernandes, Aloisio Villar, Cadinho e Roger Linhares
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
Sou filho do fulano...
Algumas pessoas me perguntam de onde eu tiro inspiração para as histórias que escrevo.
Da vida, onde mais há tanta riqueza?
Pelas ruas da vida dou de frente a uma conversa. Não pense o pior de mim, foi uma dessas situações imprevisíveis em que me encontrei sem poder sair.
Não se preocupe, qualquer semelhança com algo real será mera coincidência...ou não.
Alguém resolve fazer uma visita surpresa na repartição, ver os amigos antigos.
Eu estive aqui anos atrás, disse o rapaz bem vestido ao ser recebido.
Mudou muito tudo por aqui, respondeu o sujeito que o recebeu.
Você, quem é? Dúvida do recém chegado. Sou filho do fulano...
O visitante balançou a cabeça sem entender a resposta.
Não é como faz o povo do interior diante dessa pergunta. Num lugar onde as raízes são profundas e os relacionamentos são antigos as famílias se reconhecem pelo parentesco. Eu mesmo em minha cidade natal não sou o Leonardo, lá sou o neto do 'Seu Ezequias'
Esse não era o caso no episódio acima. Ao dizer: "sou filho do cara", o que ele fez foi buscar uma identidade ausente nele mesmo mas presente no pai.para parecer importante aos olhos da pessoa bem vestida a sua frente, mas ser 'ninguém' incomoda
Na era da fama instantânea o anonimato é uma maldição enquanto construir a própria identidade dá trabalho.
Como na obra do Bem Amado alguém se dirige ao Zeca Diabo e diz;
Companheiro!
Não me chame de companheiro, me chame de capitão disse o jagunço
Mas companheiro quer dizer que somos todos iguais, argumentou o outro
E capitão quer dizer que não.
Então...entre famosos e anônimos celebro todo aquele que sabe sua identidade e o mais importante, sabe o que fazer com ela.
Da vida, onde mais há tanta riqueza?
Pelas ruas da vida dou de frente a uma conversa. Não pense o pior de mim, foi uma dessas situações imprevisíveis em que me encontrei sem poder sair.
Não se preocupe, qualquer semelhança com algo real será mera coincidência...ou não.
Alguém resolve fazer uma visita surpresa na repartição, ver os amigos antigos.
Eu estive aqui anos atrás, disse o rapaz bem vestido ao ser recebido.
Mudou muito tudo por aqui, respondeu o sujeito que o recebeu.
Você, quem é? Dúvida do recém chegado. Sou filho do fulano...
O visitante balançou a cabeça sem entender a resposta.
Não é como faz o povo do interior diante dessa pergunta. Num lugar onde as raízes são profundas e os relacionamentos são antigos as famílias se reconhecem pelo parentesco. Eu mesmo em minha cidade natal não sou o Leonardo, lá sou o neto do 'Seu Ezequias'
Esse não era o caso no episódio acima. Ao dizer: "sou filho do cara", o que ele fez foi buscar uma identidade ausente nele mesmo mas presente no pai.para parecer importante aos olhos da pessoa bem vestida a sua frente, mas ser 'ninguém' incomoda
Na era da fama instantânea o anonimato é uma maldição enquanto construir a própria identidade dá trabalho.
Como na obra do Bem Amado alguém se dirige ao Zeca Diabo e diz;
Companheiro!
Não me chame de companheiro, me chame de capitão disse o jagunço
Mas companheiro quer dizer que somos todos iguais, argumentou o outro
E capitão quer dizer que não.
Então...entre famosos e anônimos celebro todo aquele que sabe sua identidade e o mais importante, sabe o que fazer com ela.
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Frankenstein e Drácula
O fantástico na ordem social
O medo da civilização burguesa possui dois nomes: Frankenstein e Drácula. O monstro e o vampiro nasceram juntos em uma sala de estar na, que se tornaria famosa Vila Chapuis, perto de genebra durante um jogo de salão entre amigos em uma noite chuvosa de verão. É 1816 e está em curso a revolução industrial.
Surgem de novo juntos no final do séc. XIX, sob os nomes Hyde e Drácula. No séc. XX conquistam o cinema, primeiro depois da Primeira Guerra Mundial em meio ao expressionismo alemão. Depois da crise de 1929 com as grandes produções americanas e pouco mais tarde em 1956/57 com nomes como Peter Cushing, Christofer Lee e Terence Fisher.
Frankenstein e Drácula levam vidas paralelas, as duas faces horríveis de uma só sociedade: o miserável desfigurado e o proprietário impiedoso, o trabalhador e o capital. Nas palavras de Franco Moretti “A literatura de terror nasce exatamente do terror de uma sociedade dividida e do desejo de curá-la”. É por essa razão que Frankenstein e Drácula, com raras exceções, não aparecem juntos.
O monstro, assim, serve para deslocar os antagonismos e horrores evidentes de dentro para fora da própria sociedade. Serve para reconstruir a universalidade, a coesão social, que em si mesma, já não inspira confiança. O que o monstro nos faz perceber é a dificuldade de uma classe dominante em lidar de forma igualitária com todos os seres humanos.
Drácula, por outro lado, é um asceta do terror, nele celebra-se o desejo da posse sobre o prazer. Como no consumo, é insaciável. Por isso não se pode subsistir com o vampiro, ou mata-o ou subjuga-se a ele. O Drácula de Stoker é um empresário racional. É solitário, despótico e não tolerará concorrência que investe seu ouro para expandir seu domínio: Londres, ou seja, é o monopólio. No entanto o burguês do séc. XIX acredita no livre comércio, tanto que para isso, teve que destruir a tirania do monopólio feudal. O Drácula é ao mesmo tempo produto da sociedade burguesa e sua negação.
O fantástico, o medo ou o surreal na literatura são marcas sociais, interpretações do universo humano ao ser humano. Em O Vale, não há medo, mas há sim o fantástico nas des-relações. Reflexo de nossas irresponsabilidades coletivas 2.0
O senso de “estar perdido” presente neste vale de decisões diárias, precisa ser encarado e entendido como o primeiro passo para a remissão de nossa espiritualidade.
sábado, 26 de novembro de 2011
Apresentando: O Vale
O Vale
Para algumas pessoas estar perdido é o primeiro passo para ser encontrado.
Nove deliciosos contos onde as diferentes fases da vida se chocam com os desafios e as decisões diárias.
Nesse meu primeiro livro o folclore, os mitos e as lendas são os canais onde o comportamento humano pode se mostrar terno e misericordioso, perverso e sem remorso.
O Vale é uma travessia, somente quem chegou ao outro lado, pode dizer o que viu.
Neste natal, dê livro de presente:
http://www.clubedeautores.com.br/book/117973--O_Vale
Para algumas pessoas estar perdido é o primeiro passo para ser encontrado.
Nove deliciosos contos onde as diferentes fases da vida se chocam com os desafios e as decisões diárias.
Nesse meu primeiro livro o folclore, os mitos e as lendas são os canais onde o comportamento humano pode se mostrar terno e misericordioso, perverso e sem remorso.
O Vale é uma travessia, somente quem chegou ao outro lado, pode dizer o que viu.
Neste natal, dê livro de presente:
http://www.clubedeautores.com.br/book/117973--O_Vale
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
Crônica
Ah, o copo de requeijão (Humberto Werneck)
Você se levanta no meio da noite — e então ele (ou ela), com aquela sensualidade postiça que o sono empresta à voz, aproveita para pedir um copo d’água. Você se sente um pouquinho explorada(o), a ideia era ir ao banheiro, ali ao lado, mas noblesse oblige: com ligeira irritação, a viagem no escuro é estendida até a cozinha.
Faz tempo que vocês estão juntos, já viram um montão de vezes esse filme em que o pedinte noturno ora é um, ora é outro. Mas nenhum dos dois atentou para um detalhe. No começo da história, quando se punha no menor gesto o empenho em agradar, a água vinha no melhor copo que houvesse no armário. De cristal, se possível. Agora repare: o que você vem trazendo para matar a sede do ser amado é um reles copo de requeijão.
Não tenha dúvida, alguma coisa mudou — para pior. O que você tem nas mãos é mais do que um recipiente de vidro barato até há pouco habitado por um laticínio espesso. É o próprio símbolo da avacalhação que, sub-repticiamente, vai pondo a pique os mais sólidos Titanics conjugais.
Exagero? Então veja: quem se detém na prateleira dos requeijões cremosos, no supermercado, em geral não está querendo um copo. Quer uma coisa gostosa para passar no pão, de manhã. Quando a coisa gostosa acaba, alguém — não culpe só a empregada — lava a embalagem, remove o rótulo e põe no armário. Você não pediu aquela coisa vulgar, mas, por inércia e desleixo, lá está ela, convivendo com os belos copos da marca francesa Arcoroc. Aí o outro pede água — e você, em vez de levar no Arcoroc, leva no copo de requeijão. A vulgaridade encarnada nesse intruso se instalou entre vocês. E creia: a menos que se tome uma providência, não vai ficar aí. Como no alcoolismo, não se fica no primeiro copo.
Mas pode ser que você, no supermercado, tenha pensado também no continente, além do conteúdo. Problema seu. Só não venha dizer que alguns deles são até jeitosos. São todos horrendos — inclusive aqueles esguios, retilíneos, que talvez sejam os piores: copos de requeijão que não ousam dizer o seu nome, esses pretensiosos se fingem de Arcoroc. Devem ser tratados como os impostores que são.
Aqueles “culturais”, vamos dizer, com reproduções de obras de arte, então nem se fala. Já que ninguém vai acabar com eles, aqui vai uma sugestão: por que ao menos não buscar uma correspondência entre a estampa e o conteúdo, impondo alguma lógica a essa sofrível pinacoteca matinal? Para o requeijão light, as figuras longilíneas, no limite da anorexia, de Modigliani ou Giacometti; para o outro, transbordante de calorias, a banha sem complexo das personagens de Renoir ou Botero. Ou deveria ser o contrário?
Repare como é difícil livrar-se dessa praga. Você põe na área de serviço, para que a faxineira o carregue, e ele reaparece no armário. Embora feito de vidro vagabundo, não se quebra — ao contrário dos outros, mais bonitos e mais frágeis, cujo lugar vai aos poucos ocupando. Cada vez mais numerosos, fazem parte do refugo doméstico, daqueles trastes que por alguma razão não se botam fora, e que um dia se decide levar para o eterno provisório do sítio ou da casa da praia.
Como a barata, que vai sobreviver à espécie humana, é bem possível que o copo de requeijão dure mais que o casamento. Se isso acontecer, nenhum dos cônjuges vai reivindicá-lo na partilha das “sobras de tudo que chamam lar”, como na canção de Francis Hime e Chico Buarque. E se a separação não dá certo, ele não servirá sequer para um brinde comemorativo: pois entre dois copos de requeijão, como se sabe, não há tintim possível, no máximo um chocho tec-tec.
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